A minha casa tem uma marquise, o que é uma coisa horrível, eu sei. Sim, é daquelas com alumínio e tudo. Mas já tinha, não fui eu que a criei. De qualquer forma, talvez seja por ser tão mal-amada que sinto um certo carinho por ela. Foi o conceito desarrumado e cheio de tralhas da marquise que me inspirou o conto O Gatuno e o extraterrestre trombudo, que venceu o Prémio Branquinho da Fonseca. Não só a marquise em si, mas sobretudo o Fellini nela (o Fellini é um gato curioso e trapalhão; a Lolita é uma princesa delicada. Ele só me inspira histórias absurdas; ela só me faz suspirar).
Os meus gatos, o Fellini e a Lolita, adoram a marquise: com sol até às quatro da tarde, estão sempre lá. Resolvi, agora, juntar-me a eles: fiz mais umas mudanças cá em casa, uma mesa para aqui, outra para ali e criei mais um espaço de trabalho, para além do escritório repleto de livros, discos, cartazes, postais, fotografias e mais qualquer coisa que lá caiba, ao qual costumo chamar “o buraco”.
A marquise tem, de facto, tanta luz que hoje de manhã estive tentada a pôr os óculos de sol para trabalhar. Mas depois pensei que os senhores das obras do prédio ao lado poderiam cair dos andaimes mortos de riso, ao verem-me de óculos de sol e pijama diante do computador.
Mesmo em frente à marquise fica a paragem de autocarro da rua. Há sempre gente lá sentada à espera. Volta e meia, olho para lá, mas eles raramente olham para mim – é impossível competir com os meus gatos, quando eles se exibem vaidosos à janela. Mas isto de estarmos a olhar uns para os outros, sem cortinas, deu-me ideias. Ponho-me aqui a pensar: então, e se eu agora me baixasse, deixando só a mão à vista e me pusesse a acenar? Se os fizesse rir com marionetas? Ou escrevesse nuns cartazes umas frases para animar os dias das pessoas que esperem na paragem de autocarro? E se pusesse uns balões de banda-de-desenhada na janela, dizendo por exemplo “sim, sou um gato, e sei que está a olhar para mim”?
Não sei, agora que me pus a trabalhar na marquise, acho que ela é um óptimo sítio para interagir com as pessoas que passam na rua, mas sobretudo com as que se sentam na paragem de autocarro à espera: 5 minutos, 10 minutos, um quarto de hora... (Está uma senhora a olhar para mim agora!).
A marquise poderia ser assim um sítio de performances, happenings. Hei-de experimentar qualquer coisa um dia destes. E pedirei a um espião, que se disfarce de passageiro à espera do autocarro, para ir para a paragem recolher o espanto (ou não) das pessoas. Mas acho que vão gostar.
Queria estar sentada nessa paragem de autocarro e ver...E ser surpreendida pela criatividade positiva que tem tanta influência no outro...O Sol, MJ, é mesmo potenciador de ideias...
ResponderEliminarUma das coisas que gosto em Lisboa é ser uma cidade cheia de luz. Saio de casa e fico logo bem-disposta. Bem, agora na marquise, nem de casa preciso de sair. Mas o cheiro a Primavera na rua sabe-me bem (apesar das minhas alergias!) :)
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