quinta-feira, 1 de março de 2012

Conjuntivite e bebedeiras

Esta madrugada acordei sobressaltada com um estrondo enorme e o barulho de um vidro a estilhaçar-se. Saí disparada da cama, ainda sonâmbula, patinei o corredor com as minhas meias de dormir e fui espreitar pelo buraco da porta, à procura não sei bem de quê. Vi que a luz do prédio estava acesa e que havia gente que, entre risos e galhofa, subia de elevador até aos andares superiores. Encolhi os ombros e regressei aos meus lençóis polares, ainda com um pé na realidade e outro no mundo dos sonhos. Tive pesadelos o resto da noite e, quando acordei, não sabia se aquilo tudo tinha de facto acontecido ou se tinha sido fruto da minha imaginação.

O certo é que dormi mal e acordei tarde para a consulta de oftalmologia, marcada para as 9h30 na clínica que fica no segundo andar do prédio, mesmo por cima do meu apartamento. Vesti-me a correr e engoli o pequeno-almoço - posso sair sem banho, sem pão e café nunca. Mas tive o cuidado de lavar os olhos, porque, quer dizer, o doutor ia examiná-los com uma luz para, finalmente, eu poder saber se estão raiados de vermelho devido à loucura ou a uma conjuntivite.

Quando cheguei à clínica, estava tudo num alvoroço a falar dos gatunos e dos drogados que tinham tentado assaltar o prédio, partindo o vidro da porta, o mármore do chão, e salpicado tudo de sangue em redor. Foi só nesse momento que acordei, e exclamei que afinal não tinha sonhado e que tinha ouvido tudo. Não, não tinham sido os drogados, nem tinha sido nenhuma tentativa de assalto. Foi alguém do prédio, porque eu ouvi risos e ouvi o elevador parar tranquilamente algures a partir do terceiro andar.

Entrei para a consulta.

Saí 15 minutos depois, com duas más notícias: não é loucura, é mesmo conjuntivite, e estou proibida de usar lentes durantes três semanas. Ainda de receita na mão e com os óculos, que me ficam tão bem, enfiados na cara, foi-me solenemente comunicado que a administradora do prédio e a polícia estavam à minha espera na entrada do prédio para ouvir o meu testemunho. Lá fui, a ajeitar os óculos.

Estavam lá dois polícias, devidamente fardados, e um outro de calças de ganga e blusão de cabedal. Repeti a história toda: o estrondo, seguido da risota e da entrada no elevador, que terá parado entre o terceiro e o quinto andar. Quando acabei o meu relato, o inspector do casaco de cabedal perguntou à administradora (que estava num desassossego a pensar que se escondia algum cadáver debaixo do pedaço de mármore partido do chão): “Há estudantes no prédio?” Há, no quarto andar, respondeu ela.

Deviam ser umas 10h30 quando os desgraçados do quarto andar, ainda de ressaca, boca seca, feridas na cabeça e nos braços, abriram a porta aos dois polícias… Sonolentos e ensanguentados, não tinham como desmentir: desculpem e tal, desequilibrámo-nos, caímos um por cima do outro e… sim, pagamos tudo.

Fiquei com remorsos: foi o meu testemunho? Não percebo como é que só eu é que ouvi o raio do estrondo! As outras pessoas não acordaram?

Moral da história: neste prédio, só eu e os estudantes é que não tomamos drunfes para dormir. Eu recorro a livros em inglês (embora o objectivo seja treinar, e não adormecer) e eles, enfim, a outras colheitas, que lhes saem bem mais caras.

Quando me cruzar com eles, vou deixar-lhes um aviso: para a próxima, ponham-me um bilhete debaixo da porta a dizer: “Fomos nós, mas por favor, não conte a ninguém. Invente uma história qualquer”. Obviamente que, se me pedirem, não deixarei que a realidade me estrague uma boa história.  

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