quarta-feira, 20 de março de 2013

Roma cheia de gatos

Na noite em que deixei Roma para trás, depois de lá ter vivido um ano, olhei para a Fontana de Trevi e não deitei a moeda. Armei-me em esperta, porque diz o adágio que quem deita a moeda regressa. Fiz de propósito, naquela noite tinha a certeza que voltaria e, por isso, podia guardar a moeda no bolso e ir comer um gelado. Já lá vão 10 anos, mais coisa, menos coisa. E nada. Nunca mais voltei. Ando com aquela moeda entalada na garganta. Nunca mais voltei a Roma, nem a Itália, onde - apesar de ter ido para lá estudar - fiz das melhores férias da minha vida: entre a Sardenha e a Sicília, a ver nascer o sol em barcos, a dormir nas praias à noite, a acordar às seis da manhã e a ter o mar só para mim e para os meus amigos, a andar à boleia por montes perdidos na Sicília em carrinhas de caixa aberta tapadas por uma lona. Não víamos nada lá para fora, íamos aos rebolões lá dentro. Os condutores gritavam-nos: Tutto bene? E nós, perdidos de tudo menos de medo, respondíamos: Tutto! Nunca mais voltei a Roma, nem a Itália. E Itália é o país mais bonito que já visitei. Roma a cidade onde, se pudesse, gostava de viver. Mas Roma e Lisboa devem ser primas, por isso também gosto de estar aqui. Nos próximos dias, dez anos depois, vou finalmente regressar a Itália: a Veneza e a Bolonha. Vai ser bom, pelo menos vou ver a língua, ouvi-los cantar, porque falar, falam com as mãos. A língua e a comida, pelo menos em Itália, também são primas. Mas não vai ser Roma ainda, Roma cheia de gatos, e eu ando com Roma aqui, bem atravessada na garganta. Tento não forçar o encontro, porque a fonte se iria rir de mim. Mas se a vida não me levar, pois bem, terei de me meter num avião (e ir lá deixar a moeda).

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