Na minha terra chama-se
canalha às crianças. Só percebi que noutros lugares não era uma palavra
carinhosa quando estava a tirar a carta de condução em Coimbra, e o meu
instrutor estranhou que eu tivesse exclamado “esta canalha!”, diante de um
bando de fedelhos que se atravessou em frente do carro.
A minha avó sempre nos chamou, a mim e às minhas primas, canalha. Às vezes ia mais longe e apelidava-nos mesmo de “canalhada brava”. Na casa dos meus avós sempre houve, nos natais, aniversários e passagens de ano, uma mesa dos adultos e outra da canalha. Nunca ouvi alguém proferir a expressão “a mesa das crianças”. Sempre foi “a mesa da canalha”.
E havia uma hora de irmos todas "recambiadas" para a banheira, quando chegávamos de lábios roxos da praia (só a canalha é que é valente o suficiente para enfrentar o gelo do mar do Norte).
A canalha, como nós éramos, actua em magote: corre nas festas de anos, sua, grita. Meninos e meninas: fica tudo transpirado, com as fraldas de fora, os cordões dos sapatos desapertados e os laços cor-de-rosa tortos na cabeça. Chegávamos ao fim, com as faces vermelhas de tanto brincar, e nunca achávamos que já eram horas de ir embora. A nossa avó já sabia: “A canalha nunca tem pressa.” Quando insistíamos, perguntava: “Mas agora a canalha já dá leis?”
Às vezes, se abusássemos da sorte, ameaçava dar-nos uma galheta, que era uma palavra que, em vez de nos assustar, nos fazia rir. Uma “galheta bem dada” era sempre um motivo de galhofa (galheta e galhofa até são parecidas). Ríamos nós, e ria-se ela.
Ainda hoje acho a palavra galheta cómica. Não gosto tanto da palavra canalha, mas divirto-me com o que cabe dentro dela. Na minha rua, há dois miúdos que passam as tardes a picar-se de bicicleta. No outro dia, um deles declarou alto e bom som: “Já te provei que ando mais do que essa tua trotinete!”. E continuaram naquele despique até o sol se pôr.
Se a minha avó visse aquilo, assomaria à janela para lembrar que já são horas de ir para casa, e acrescentaria o clássico “à noite nunca há pressas”. Quando nos abrisse a porta, avisaria: “Gira já tudo para banheira antes que levem uma galheta”. E nós íamos rir que nem perdidas daquela terrível ameaça. Canalhada brava… E continuaríamos à volta dela, a mostrar a cara e a fugir, só para a ouvirmos dizer outra vez a palavra “galheta”.
A minha avó sempre nos chamou, a mim e às minhas primas, canalha. Às vezes ia mais longe e apelidava-nos mesmo de “canalhada brava”. Na casa dos meus avós sempre houve, nos natais, aniversários e passagens de ano, uma mesa dos adultos e outra da canalha. Nunca ouvi alguém proferir a expressão “a mesa das crianças”. Sempre foi “a mesa da canalha”.
E havia uma hora de irmos todas "recambiadas" para a banheira, quando chegávamos de lábios roxos da praia (só a canalha é que é valente o suficiente para enfrentar o gelo do mar do Norte).
A canalha, como nós éramos, actua em magote: corre nas festas de anos, sua, grita. Meninos e meninas: fica tudo transpirado, com as fraldas de fora, os cordões dos sapatos desapertados e os laços cor-de-rosa tortos na cabeça. Chegávamos ao fim, com as faces vermelhas de tanto brincar, e nunca achávamos que já eram horas de ir embora. A nossa avó já sabia: “A canalha nunca tem pressa.” Quando insistíamos, perguntava: “Mas agora a canalha já dá leis?”
Às vezes, se abusássemos da sorte, ameaçava dar-nos uma galheta, que era uma palavra que, em vez de nos assustar, nos fazia rir. Uma “galheta bem dada” era sempre um motivo de galhofa (galheta e galhofa até são parecidas). Ríamos nós, e ria-se ela.
Ainda hoje acho a palavra galheta cómica. Não gosto tanto da palavra canalha, mas divirto-me com o que cabe dentro dela. Na minha rua, há dois miúdos que passam as tardes a picar-se de bicicleta. No outro dia, um deles declarou alto e bom som: “Já te provei que ando mais do que essa tua trotinete!”. E continuaram naquele despique até o sol se pôr.
Se a minha avó visse aquilo, assomaria à janela para lembrar que já são horas de ir para casa, e acrescentaria o clássico “à noite nunca há pressas”. Quando nos abrisse a porta, avisaria: “Gira já tudo para banheira antes que levem uma galheta”. E nós íamos rir que nem perdidas daquela terrível ameaça. Canalhada brava… E continuaríamos à volta dela, a mostrar a cara e a fugir, só para a ouvirmos dizer outra vez a palavra “galheta”.
...também fui muitas vezes "ameaçada" de levar galhetas e a canalha na beira não era "brava"...era "bravia"... ;)
ResponderEliminarMuito bom!
e devias ter levado mais!
ResponderEliminarEstou agora deliciada a ler os teus ultimos posts. Continua a escrever muito. Por favor.
ResponderEliminarObrigada pelo incentivo, Sofia. um beijinho.
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