Na noite em que deixei Roma para
trás, depois de lá ter vivido um ano, olhei para a Fontana de Trevi e não deitei
a moeda. Armei-me em esperta, porque diz o adágio que quem deita a moeda
regressa. Fiz de propósito, naquela noite tinha a certeza que voltaria
e, por isso, podia guardar a moeda no bolso e ir comer um gelado. Já lá vão 10
anos, mais coisa, menos coisa. E nada. Nunca mais voltei. Ando com
aquela moeda entalada na garganta. Nunca mais voltei a Roma, nem a Itália, onde -
apesar de ter ido para lá estudar - fiz das melhores férias da minha vida: entre a
Sardenha e a Sicília, a ver nascer o sol em barcos, a dormir nas praias à noite,
a acordar às seis da manhã e a ter o mar só para mim e para os meus amigos, a
andar à boleia por montes perdidos na Sicília em carrinhas de caixa aberta
tapadas por uma lona. Não víamos nada lá para fora, íamos aos rebolões lá
dentro. Os condutores gritavam-nos: Tutto bene? E nós, perdidos de tudo menos
de medo, respondíamos: Tutto! Nunca mais voltei a Roma, nem a Itália. E Itália
é o país mais bonito que já visitei. Roma a cidade onde, se pudesse,
gostava de viver. Mas Roma e Lisboa devem ser primas, por isso também gosto de
estar aqui. Nos próximos dias, dez anos depois, vou finalmente regressar a Itália: a Veneza e a Bolonha. Vai
ser bom, pelo menos vou ver a língua, ouvi-los cantar, porque falar, falam com
as mãos. A língua e a comida, pelo menos em Itália, também são primas. Mas não
vai ser Roma ainda, Roma cheia de gatos, e eu ando com Roma aqui, bem atravessada na
garganta. Tento não forçar o encontro, porque a fonte se iria rir de mim. Mas
se a vida não me levar, pois bem, terei de me meter num avião (e ir lá deixar a
moeda).
"Tudo me espanta, gramo a vida, quero morrer mais lá para o Verão." (Fernando Assis Pacheco)
quarta-feira, 20 de março de 2013
segunda-feira, 4 de março de 2013
Piruças
A minha anarco-rafeira, que foi
apanhada na rua, já tem 15 anos. Quem a conhece sabe bem como aquela vira-latas
conseguia, durante os anos de juventude, transformar tudo à volta num alvoroço:
andava sempre a 200 à hora e arrebitava cachimbo para todo o lado. Insubmissa,
desobediente, cómica, porque pequena, era um terror próximo do desenho animado.
Agora, já não é assim. Velhinha e com o pêlo branco, passa os dias deitada. Já
não consegue subir bem para a cama, volta e meia cai nas escadas e fica à
espera que a vamos buscar. No outro dia, nem reagiu quando levámos a Nico, a
gata da minha prima, lá para casa. Apesar de agora na velhice ter, pelos vistos, aprendido
a aceitar mais, a ladrar e a rosnar menos, posso dizer que nunca conheci uma
cadela tão punk como a minha. E,
claro, nunca me lembrei que ela fosse envelhecer.
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