Tenho mais que fazer, é
verdade, mas não me apetece. Desconcentro-me facilmente a ler na praia. O Vargas
Llosa que trouxe não vai bem com as conversas da vizinhança no areal, e eu não resisto
nunca a arrebitar a orelha para as ouvir. Tenho duas entrevistas de várias horas
para passar, e é o que vou fazer já, já a seguir (não vá dar-se o caso de algum
dos meus editores estar a ler isto).
Por enquanto, vou só
até ali à varanda escrever. Deixo o computador, pego num bloco e numa caneta. É
raro fazê-lo assim: no papel e com caneta (trabalho, a tirar notas, não conta).
Chama-me à atenção um pai, um ser enorme e peludo, enfiado na piscina das
crianças. O filho dele, um ser pequenino e de braçadeiras postas, chora à borda
da piscina, a olhar para ele. O caso não é para menos. Se o meu pai estivesse
na piscina das crianças eu também me fartaria de chorar.
O pai vira-se de
barriga para baixo e, em vez de nadar, dada a altura mínima da água, começa a
andar, tocando com as mãos (as patas da frente) no fundo da piscina. A criança
tenta chamá-lo à razão: atira-lhe com uma pequena bola colorida à cara e,
quando ele se aproxima o suficiente, aperta-lhe o nariz com força. Nada, o pai
está contente. E continua a mover-se devagar pela piscina. Parece um tubarão
com calções às flores azuis.
O pai-tubarão tenta
convencer o miúdo a entrar. Para isso, faz um número: enfia a cabeça dentro de
água e começa a mover-se em círculos, para aparecer depois súbita e
furiosamente, diante do olhar consternado da criança. O miúdo olha para ele e,
logo de seguida, vai a correr para o pé da mãe na espreguiçadeira. Mais uma
vez, compreendo a criança.
E compreendo os outros
miúdos que estão todos, não na piscina pequena, mas na dos adultos.
Movimentam-se freneticamente com as braçadeiras postas - não sei como aguentam
tanto tempo naquele ritmo do nadar à cão. Mas que aguentam, aguentam: horas a
fio. Tomara eu ter aquele fôlego quando vou praticar para o Clube Nacional de
Natação.
O pai, esse, continua
dentro da piscina dos pequenos. É mesmo a única criatura lá enfiada. Agora sentou-se,
e está a brincar sozinho com a bola. Não, não está a brincar sozinho com a
bola. Em bom rigor, ficou a brincar sozinho com a bola.
E só no fim deste texto
é que o percebo. Está muito calor. Ali, naquela piscina pequenina, o pai-tubarão
com calções às flores azuis está sentado, e fresquinho. Mesmo assim, fico do
lado do puto. Se puder optar, quando mergulhar, só pode ser na piscina funda e,
se puder optar uma segunda vez, quando crescer, não quero ser grande.
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