A janela deste quarto tem poderes. Só eu os vejo. Vejo-os através dela. É sobretudo à noite, quando a rua está praticamente deserta e só um ou outro carro passa pelo túnel, que ela – a janela - se revela. Abre-se se ponho uma música alegre a tocar. Recolhe-se se as notas são melancólicas. As pessoas que andam lá em baixo não dão por isso. Nem as pessoas nem a própria rua que continua. Os candeeiros permanecem imóveis. Só os painéis de publicidade vão mudando de cor, de letras, de imagens. Mas mesmo assim parecem mudos ao pé da música que sai da janela do meu quarto. Encosto-me a ela, olho para baixo. Observo cada silêncio. Um táxi que passa. Mudo. Alguém de mãos nos bolsos. Um carro, uma mota. Vejo-os e imagino-os. Sigo com o olhar quem passa, sigo-os até ao fundo da rua. Sigo quem atravessa a passadeira. Cá de cima, é fácil imaginar-lhes uma história, porque eles não sabem, não vêem que está alguém a observá-los e limitam-se a caminhar, rua fora. É por isso que se, por acaso, algum deles levanta a cabeça, desvio a cara.
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