terça-feira, 25 de junho de 2013

Agenda para as férias

Não fazer listas. Guardar a agenda numa gaveta fechada à chave e deitar a chave ao rio. Usar despertador para aproveitar as manhãs. Ler. Não ligar o computador. Não ir ao facebook. Esquecer o email. Deixar o telemóvel em casa. Tomar pequenos-almoços como se fossem almoços. Ler. Não verificar o email. Não ir ao facebook. Ler. Passear à beira-mar. Nadar. Boiar de olhos abertos. Ouvir Ali Farka Touré. Desligar tudo das tomadas. Fumar tabaco de enrolar ao final da tarde. Beber cerveja e mojitos. Jantar sem tomar banho. Beber vinho e sumo de laranja. Ler as notícias só em papel. Não pôr fotografias de pés na areia no facebook. Ler. Comer uma bola de berlim e uma maçã. Dormir com o pé direito de fora. Passear com a minha cadela. Vestir todos os dias o mesmo vestido. Andar sempre de chinelos. Não secar o cabelo. Ler. Não pôr fotografias do mar azul no facebook. Não responder a emails. Arrumar o computador num armário bem alto. Escrever à mão. Dormir com o pé esquerdo de fora. Passear com a minha cadela pela sombra. Aproveitar para dar ao meu pai, que fez anos, não um after shave, mas um prato de bacalhau à brás e outro de arroz doce. Pôr a mesa na varanda. Desligar a televisão. Escrever uma carta aos meus amigos emigrados ou em vias de. Pôr os envelopes no correio, até ao outro lado do mundo. Prometer que os vou visitar. Talvez até emigrar. Ler. Adormecer destapada, de barriga para cima. Deixar os meus gatos com amigos. Não perguntar todos os dias se eles estão bem e a dar muito trabalho. Não ficar ansiosa se não me responderem logo. Passear sozinha. Dizer seis palavras num dia inteiro. Reparar. Escrever num pequeno bloco à mão. Ver. Escrever num pequeno bloco à mão. Observar. Escrever à mão. Dizer cinco palavras num dia. Misturar melancia com vinho tinto e pêssegos com água. Comer laranja à noite. Não decidir. Ouvir conversas alheias na praia. Anotar tudo num bloco, à mão. Desenhar pessoas com palavras num bloco. À mão. Levar maçãs e água para a praia, mas comer amêijoas e pão a  escorrer manteiga. Pode ser mais uma, se faz favor. Esquecer-me das maçãs na mochila. Bater, como uma selvagem, em pessoas que deixem beatas na areia. Adormecer de janela aberta. Falar sozinha. Meter num frasco o cheiro do Verão à noite. Ir para a cama à meia-noite e às sete da manhã. Lembrar-me dos sonhos no dia seguinte. Não os contar. Não ir ao facebook. Falar sozinha. Ler. Ler em voz alta. Ver o meu pai dar gelado à cadela e não dizer nada. Dar-lhe fiambre de peru às escondidas. Falar com ela. Meter o cheiro dos pinheiros mansos num frasco. Decorar um poema. Brincar com os filhos dos outros. Escrever um bloco inteiro à mão. Comprar um novo. Acreditar que acreditar em meditação já é meditar. Não escrever nenhum livro. Não plantar nenhuma árvore. Não ter nenhum filho. Arranjar desculpas para estar sozinha. Chegar de comboio. Meter conversa no comboio. Ouvir esta música pelo menos uma vez por dia.

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