Um amigo de infância, o
Eduardo, enviou-me ontem uma mensagem. Era um admirador do músico. Assim que
soube da morte do Bernardo Sassetti, lembrei-me logo deste meu amigo, que tem
um gosto irrepreensível. Estava consternado.
Na mensagem perguntava-me se eu me lembrava, dizia que tinha sido a nossa primeira entrevista. Por acaso, não foi a minha primeira entrevista, respondi-lhe. A minha primeira entrevista foi, de facto, nesse Guimarães Jazz muito longínquo - acho que nem treze anos tinha feito ainda -, mas foi ao Hermeto Pascoal.
Durante a adolescência,
tínhamos um grupo que escrevia umas coisas para o jornal local, o Povo de
Guimarães. Nesse Guimarães Jazz íamos em bando entrevistar músicos a sério. É
muito divertido pensar hoje nas perguntas que um bando de adolescentes em
descoberta fazia a artistas como aqueles. Perguntávamos tudo: sobre o amor,
sobre deus, sobre a arte. Fazíamos as perguntas mais espantosas, e víamos
respostas no que nos diziam. Era um deslumbramento. Era mais poesia do que
jornalismo, para ser sincera.
Bom, a primeira
entrevista deste bando foi ao Bernardo Sassetti. Eu não fui, infelizmente. Mas
ouvi-os nos dias seguintes a contar cada detalhe de cada resposta. Estavam em
estado de encantamento. Ainda por cima o Bernardo Sassetti não só tinha talento,
como era giro que se fartava. As meninas ficaram enfeitiçadas. Os rapazes
também.
Nessa altura usavam-se
gravadores com umas cassetes muito pequeninas. Como é evidente, à falta de
material, reciclávamos as cassetes, gravando entrevistas umas por cima das
outras. Mas havia duas intocáveis: a do Sassetti e a do Hermeto Pascoal. Eram
pura magia. Acontece que alguém gravou por cima da do Sassetti e a entrevista
dele eclipsou-se. Ninguém queria acreditar. Esse meu amigo de infância não se
conformava. Por cima da do Sassetti, foi gravada uma entrevista à Matilde Rosa
Araújo. Foi uma boa entrevista também, mas nós éramos adolescentes… Já não
queríamos ouvir histórias para a infância. Naquela altura, nada nos tocava como a
música, o amor e a poesia.
Naquela altura o bando
ficou em estado de enamoramento pelas mãos, pelo piano, pela afabilidade do
Sassetti. Será que ele se apercebeu do tamanho daquela inocência?
Já foi há quase 20
anos. Mas esse meu amigo de infância, o Eduardo, não se esqueceu. Enviou-me
logo uma mensagem, queria saber se eu me lembrava. Lembro-me perfeitamente. E
não estive lá.
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