domingo, 18 de dezembro de 2011

Sonhos debaixo da rede mosquiteira

Falta pouco mais de uma semana para partirmos. Não será muito tempo de avião, não encontrarei uma língua diferente, não sofrerei com diferenças horárias, mas tenho uma vaga sensação de novo mundo com esta viagem. Deve ser da quantidade de vacinas e de comprimidos contra malárias e febres amarelas, das recomendações do médico, da rede mosquiteira que terei de usar por cima do colchão para dormir. Deve ser isso. A Europa habitua-nos a viajar só com uma mala e o BI e, em poucas horas, estar e regressar. Desabituamo-nos do trabalho que pode ser viajar. E até sabe bem essa canseira, queixarmo-nos que chatice, hoje tenho de ir buscar o visto. Ficar horas nas filas da embaixada, outras tantas no Instituto de Medicina Tropical. Apercebermo-nos que não temos termómetro nem medicamentos de qualquer espécie em casa, ir à farmácia comprá-los e perguntarem-nos: Vai para o fim do mundo? E respondermos com um orgulho disfarçado por aquele aborrecimento dos mosquitos e do medo de a água não ser potável: Sim, é mais ou menos isso. Criamos assim uma ilusão de que outro planeta existe dentro deste e nós podemos ir lá. E é este movimento de ir e de regressar que nos parece, por qualquer razão insondável, capaz de concertar o que o universo desarruma. Como se ir nos permitisse fugir e encontrar tudo em ordem no regresso. Mas essa fuga não existe. Quando chegar, a janela do meu quarto vai continuar a abrir e a fechar-se sozinha, as músicas vão continuar a tocar e a noite vai continuar a cair sobre a cidade. Este é o maior equívoco das viagens, sobretudo das que nos dão a sensação de afastamento e distância: o equívoco de acharmos que elas se inscrevem num movimento maior do que aquele que o avião percorre. O de acharmos que elas vão trazer ventos e mudanças. Não, não viajamos quando partimos com um bilhete na mão; na melhor das hipóteses viajamos no regresso, quando chegamos a casa. As maiores viagens acontecem dentro do nosso quarto, a olhar pela nossa janela, no passeio da nossa rua. As maiores viagens acontecem no nosso sítio. Sobretudo quando temos de o abandonar, ou quando nos abandonam nele, ou quando nos tiram dele, ou quando e quando... Mudar de bairro, de supermercado e de quiosque pode baralhar-nos mais do que qualquer idioma desconhecido. Estar à janela do nosso quarto pode inquietar-nos mais do que qualquer paisagem nova. As maiores viagens são as que fazemos sozinhos: essas têm uma geografia mais caótica do que qualquer montanha impenetrável. Mas, claro, como toda a gente, faço de conta que não sei que, quando regressar, terei apenas saudades da rede mosquiteira e irei novamente espreitar, da minha janela, os carros que passam e a lua. E que, em cada uma dessas meias horas em que olho quieta para o escuro, viajo mais do que qualquer avião ou navio. Mesmo com todas as febres, mosquitos, e vacinas, nenhuma viagem mete tanto medo, é tao assustadora, difícil e imprescindível como estas que acontecem, cada vez que abrimos e fechamos a janela do nosso quarto.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

- I just don't know what I'm supposed to be.
- You'll figure that out. The more you know who you are, and what you want, the less you let things upset you.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A janela do meu quarto

A janela deste quarto tem poderes. Só eu os vejo. Vejo-os através dela. É sobretudo à noite, quando a rua está praticamente deserta e só um ou outro carro passa pelo túnel, que ela – a janela - se revela. Abre-se se ponho uma música alegre a tocar. Recolhe-se se as notas são melancólicas. As pessoas que andam lá em baixo não dão por isso. Nem as pessoas nem a própria rua que continua. Os candeeiros permanecem imóveis. Só os painéis de publicidade vão mudando de cor, de letras, de imagens. Mas mesmo assim parecem mudos ao pé da música que sai da janela do meu quarto. Encosto-me a ela, olho para baixo. Observo cada silêncio. Um táxi que passa. Mudo. Alguém de mãos nos bolsos. Um carro, uma mota. Vejo-os e imagino-os. Sigo com o olhar quem passa, sigo-os até ao fundo da rua. Sigo quem atravessa a passadeira. Cá de cima, é fácil imaginar-lhes uma história, porque eles não sabem, não vêem que está alguém a observá-los e limitam-se a caminhar, rua fora. É por isso que se, por acaso, algum deles levanta a cabeça, desvio a cara.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Lost in Lisbon

Não foi uma experiência. Foi um acaso. O gravador enfiado na mala fez tudo sozinho. A entrevista que lá estava gravada felizmente não se perdeu. Registo de um percurso entre a estação do Oriente e a chegada a casa.